The Flying Wine Drinker: Memórias I
Embora não seja verdade absoluta que o vinho melhora com a idade, hoje posso afirmar com certeza que a idade melhora com o vinho. A parte triste deste aforismo é que, para que tenha credibilidade, é necessário que tenha partido de alguém que tenha envelhecido. O que é algo triste de reconhecer…
Santiago, 28 de fevereiro de 2010
Há quatro dias estava no Vale de Colchágua, no Chile. Hospedava-me na pousada da prestigiosa Casa Silva. Às três e meia da manhã aconteceu o terremoto. Junto com os de 1962 e de 1985, também este terremoto ficará na História. Eu estava lá e, se tivesse achado meus óculos depois do desastre, poderia ter dito prudente: “Meninos, eu vi”… Mas meus óculos se quebraram (amassados por um aquecedor de ferro).
Deitado em posição fetal ao lado da cama, sem óculos, apenas sentindo o tremor e ouvindo os ruídos das terras revoltas e dos objetos em colisão… naqueles três intensos minutos… minha vida não passou diante de mim. Se tivesse passado, talvez não estivesse escrevendo estas palavras.
Palavras para quem? Para todos e para ninguém (o velho Nietzsche teria dito). Vou ser sincero: estas palavras são, antes de tudo, para mim. São apenas memórias. Não memórias etílicas; apenas memórias.
Não que alguém possa se interessar por minhas memórias ou pelos vinhos que bebi (e que não vou saber descrever ou mesmo lembrar com precisão). Então, mais um blog sobre vinhos? Pra quê? Qual o sentido?
Não vou especular muito, caro leitor. Apenas aceite: com um bom vinho, as memórias parecem melhores. Só por isso. Não duvide que tenho um cálice ao meu lado ao escrever estas palavras.
Portanto, estas memórias são uma mensagem em uma garrafa. Em muitas garrafas… Largadas neste mar impessoal que é a internet. Talvez queira o destino que caia em suas mãos. Se for esse o caso, como diria minha Avó, maktub…
O vinho entrou na minha vida na Inglaterra. O ano era 1971. Meu Pai – oficial de Marinha – tinha sido nomeado representante brasileiro na International Maritime Consultative Organisation; a IMCO (hoje, IMO). E foi-se a família para Londres, onde passaríamos dois anos e meio.
Um belo dia chegamos (meus irmãos e eu) da escola e encontramos algumas caixas no corredor onde se lia Saccone & Speed; uma importadora. Entre essas, lembro-me de uma caixa de Beaujolais e outra de Châteauneuf-du-Pape. Jamais me esqueci das letras góticas dos rótulos deste último. Não me lembro de que safras e de que produtores. Que diabos uma criança de onze anos vai se preocupar com safras e produtores!?
Meu Pai tinha um espírito Iluminista e hoje consigo imaginar o quão triste deveria ser, para ele, levar a família para um restaurante local digamos… na Alemanha… e ver que todos pediam bife com batatas fritas (reclamando do fato de não haver arroz e feijão).
Esses vinhos faziam parte de um projeto igualmente Iluminista: seria um crime passar uma temporada na Europa sem desfrutar daquilo que era a Europa. Vinhos (e queijos) eram parte de uma cultura com a qual deveríamos nos familiarizar tanto quanto, por exemplo, passear no Hyde Park ou no Boulevard Haussmann.
Estas caixas de vinho eram quase que um “material de pesquisa”. Pesquisa que, inicialmente, se concretizou em um “queijos e vinhos”. Pude, então, sentar-me à mesa com os adultos… Talvez para “aprender”… Afinal, na França, dizia meu Pai, crianças tomavam vinho desde cedo.
No entanto, o mau cheiro dos queijos franceses, a estranheza dos queijos “azuis”; os petiscos estranhos, os vinhos com seu sabor pouco infantil… — sei lá… — tão diferente da Coca-Cola ou do saudoso guaraná… Definitivamente, não foi uma experiência marcante (pelo menos no bom sentido).
E, para piorar tudo, as piadas (herméticas e escatológicas): “queijo francês só é bom quando anda sobre a mesa”… “para os franceses, comida boa é comida podre… faisandée…”
Tremi, por dentro. Era isso que me esperava no futuro? Seria obrigado a comer essas coisas quando virasse adulto!? Teria que adquirir o gosto do “podre” e reflexos para “capturar” comida em movimento? E o que pensar desse estranho gosto amargo do vinho tinto?
Pela primeira vez na vida senti a dor do crescimento… E tive uma profunda inveja de Peter Pan…